NYT e retalicao diplomática?
Afonso Junior Ferreira de Lima | 13.05.2004 16:50 | Analysis | London
Há muita coisa envolvida no caso NYT: como se percebe a auto-estima do país, relações entre super-potências- como o NYT e os EUA, históricos problemas de identidade, etc: mais que uma crônica de bom dia pode abarcar.
Acho que o presidente daria uma mostra de sua conhecida flexibilidade revendo o visto desse palhaço. Esse não é o ponto. ME espanta como um país que tenta fazer o NYT publicar sua resposta em vão, e logo após Ter vencido sobre os subsídios ilegais dos EUA na OMC. Como a mídia transforma esse incidente diplomático-estratégico-midiático em algo de “liberdade de expressão”?
Como debater isso sem rever o mito americano da superioridade de sua democracia- da liberdade absoluta da imprensa, longe da censura corporativa, da correção governamental, longe da corrupção institucional das corporações que controlam a política pelas doações- por exemplo- enquanto todas as democracias latinas são corruptas e incompetentes?
Os estrangeiros talvez tenham a tendência de colocar isso nos termos da comédia: puxa, como as democracias das bananas levam a sério a opinião dos outros! Como o Brasil tem sentimento de inferioridade e lida mal com orgulho ferido! Como o Brasil tem uma cultura da aparência! Para eles uma fala do jornalista Carlos Dorneles autor do livro-obrigatório "Deus é inocente, a imprensa, não":
“Eu acho que todos os episódios da guerra do Iraque e do Afeganistão são exemplos da falta de inocência da Imprensa. Quem tinha poder usou a imprensa para mostrar um conflito que envolvia aqueles que defendiam uma pretensa civilização superior contra uma civilização bárbara, com uma religião esquisita de pessoas que não têm amor à vida. Essa foi a visão difundida pela imprensa que é absolutamente errada, equivocada e preconceituosa. E que `cola’. As pessoas começam a aceitar isso de alguma maneira. É a visão do vencedor apenas. Eu não acho que a imprensa foi criada para isso.” Não significa que um furo- uma foto de iraquiano humilhado- possa ser totalmente ignorado; significa que haverão machetes como a do Washington Post: “O Preço da Liberdade”, na invasão do Iraque. Como obviamente os países ricos entendem de economia, o livre mercado- das mega-corporações - é o melhor para os povos e os esquerdistas que debatem com o FMI e a OMC são infantis, é fácil mostrar que erram politicamente porque são alcoólatras. Quando aquele que sofre a arrogância reclama, torna-se cômico.
Quando um poder global –como o NYT- fala de um poder local, é preciso entender que as palavras são as mesmas , mas tem efeitos e contextos diferentes em cada local: uma prisão nos Estados Unidos é algo diferente, um jornal, uma ofensa. Aplicar os chavões como “liberdade” no contexto de imperialismo, econômico, cultural e da informação é uma ofensa a liberdade. Provavelmente não terá efeito nenhum sobre os EUA se uma empresa brasileira disser que seu risco país é alto. Como afirmou o jurista Dalmo Dallari para a Agência Brasil: “houve o propósito de uma retaliação diplomática, o jurista destacou que "se o presidente Lula estivesse inteiramente subordinado às diretrizes políticas e econômicas dos Estados Unidos, certamente o New York Times não publicaria isso”.
Cabe a ABI e ACIE, iniciar um debate sobre a amplitude política da noticia, a responsabilidade na avaliação de fontes, relações entre informação e poder e o sentido da "despreconceitualização” para a “correspondência” estrangeira. O máximo da despolitizacão, a tal reportagem dos fatos, oculta o máximo do politizado, o encobrimento de alguns fatos.
Se o ato "levanta sérias dúvidas quanto ao tão falado comprometimento do país com a liberdade de expressão e de imprensa" o próprio artigo levanta sérias dúvidas sobre a diplomacia e a pressão da tinta.
O que está por traz do fato sobre o jornalista americano não é a liberdade de imprensa, mas o poder da imprensa de dizer qualquer coisa muito alto e para muita gente num contexto de pouca liberdade de expressão (a pobreza cala), sem fundamento, e independente da repercussão, contexto político e impacto social; e, no caso atual do brasil, no contexto de mídia absoluta desacostumada a democracia, esquerda oportunista e direita que acha ilegítimo perder eleição.
Em um contexto de um mundo cada vez mais pobre, de uma mídia cada vez mais concentrada, de um debate cada vez mais sério sobre os rumos do governo global, onde já nem parece mais maniqueista a oposição entre ideologia das corporações pelo monopólio global versus movimentos sociais de ampliação da democracia plural.
Rumamos rapidamente para um estado de ditadura seletiva, onde todas as fontes que vem do governo americano são seguras, todos os dados apresentados pelo The Economist aso corretos e tudo que ameaça o poder e melhor esperar 7 meses...
OS senhores deveriam estar horrorizados com o uso de frases como “a predileção do presidente por bebidas fortes está afetando sua performance no cargo”. Teria sido usada de má fé, levando em conta o preconceito histórico que os americanos parecem ter com o alcoolismo?
Isso logo uma semana depois de Zoellick dizer que o governo Lula “não foi eleito com uma plataforma que é a mais propícia para o livre comércio (...) Dessa forma, eles tem que gerenciar a política disso”.
O uso de fontes duvidosas que falam de "nosso presidente alcoólatra" é uma ofensa diplomática a um país que saiu da ordem reinante do império globalizado?
Muitas vezes, em contexto de guerra e nos atuais debates que alguns definem como entre a ideologia corporativa-elitista e a ideologia altermundista-democrática alguma coisa que é boa é usada para justificar um abuso aos direitos humanos; estaria a “liberdade de expressão” está sendo usada para encobrir uma liberdade desmedida de jornalistas irresponsáveis que tem uso político e ideológico ?
A fonte, entre outras bobagens, é Leonel Brizolla, um concorrente político, uma figura que já perdeu sua força política, vive de glórias do passado e faz alianças oportunistas...
Evidentemente ou houve malícia ou desinformaçao imperdoável. “Nos últimos meses, o governo esquerdista de Lula foi atingido por uma crise após a outra, de um escândalo de corrupção ao fracasso de importantes programas sociais. O presidente freqüentemente ficou fora da visão pública e deixou seus assessores cuidarem das dificuldades.”
Os correspondentes tem informações precisas sobre o Brasil ou vem aqui para nos ensinar uma suposta postura democrática?
Este é um jornal de alcance internacional, que é para boa parte do mundo uma fonte segura e confiável e ano um livreto de crônicas descabidas.
Parece a mim e a boa parte dos brasileiros que houve um objetivo quase óbvio de minar a credibilidade do governo, e concordo com Michael Berg, (que teve seu filho decaptado no Iraque e culpou o governo pela morte já que Berg foi detido pelos americanos por duas semanas sem estar sujeito a nenhuma acusação e sem poder entrar em contato com ninguém), que disse: “Eu não acho que este governo tenha um compromisso com a democracia.”
Alem disso se algum maluco latino usasse seus neurônios simplistas e desenformados (já que é o tom velho de superioridade sobre a república das bananas, que condena o problema cultural pelo avanço da pobreza e não estratégias da OMC e do FMI, que emana do artigo) poderia achar que não é um bom momento para a mídia americana querer ensinar uma suposta liberdade de imprensa num país que vive uma concentração de renda e informação brutal, e se torna rapidamente uma democracia onde o povo não precisa votar, as eleições são coordenadas por corporações e a educação pública naufraga levando as pessoas a deixar a política para os outros; além disso seu “presidente”- não-sei-se- eleito diz, na frente de soldados nus para os quais oficiais apontam cigarros, "você (Rumsfeld) liderou nossa nação com coragem na guerra contra o terror. Você está fazendo um excelente trabalho".
Depois que foi invadido o Iraque sem nenhuma prova de sua ligação com a Al Qaeda fica colocada em foco a posição da imprensa em desmoralizar países que tem políticas nacionalistas e saem do eixo-imperial da privatização da vida, e, ao contrario, o apoio americano a invasões antidemocráticas por motivos geo-politicos; seria a mídia um monte de “caezinhos amestrados", como coloca Greg Palast, que simplesmente não conseguiu mostrar suas reportagens sobre a Florida no seu país antes de mostra-las na Inglaterra?
Estaremos entrando em um cenário onde sempre que um jornalista usa o direito de expressão de modo político para impedir o diálogo verdadeiro é liberdade de expressão; sempre que o público reage a corporação mega-presente é censura?
O que se debate aqui é o uso político da imprensa.
Podem os jornalistas ridicularizar um país inteiro, justamente no momento em que se opõe aos planos de Bush na ALCA?
Afonso Junior Ferreira de Lima
Mestre em Filosofia
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Afonso Junior Ferreira de Lima