Texto de Autoria de
Portau Schmidt von Köln
A Enfermidade Gramsciana
no Movimento Trotskysta Contemporâneo
e nas Lutas de Emancipação do Proletariado
Polêmica Trotsky e Gramsci : Gramsci e Trotsky
O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana
de Atualização, Correção
e Superação do Marxismo
(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)
„Nós lutamos por um marxismo aberto que se relaciona com as concepções
e os debates da IV Internacional fundada por Trotsky
(e, em particular, no caminho que ela trilhou sob a direção de Ernst Mandel),
no diálogo com outras tradições e experiências,
tal como a herança de Rosa Luxemburg, Antonio Gramsci,
a obra de Che Guevara e a Revolução Cubana,
as contribuições das comunidades religiosas de base
e a Teoria da Libertação, o movimento ecológico,
a luta dos negros, as novas dimensões abertas pelo movimento feminista e o movimento dos gays e das lésbicas.
O valor central da democracia.
Já o nome „Democracia Socialista“ relaciona-se, expressamente,
com a crítica das visões de um socialismo autoritário e burocrático,
tais como divulgadas há vinte anos entre os ativistas de esquerda ...
No campo programático, desenvolvemos uma compreensão para o potencial político das aspirações democráticas que, partindo dos problemas mais urgentes da população, colocam em questão a ordem existente e aguçam
a luta pelo Socialismo.“[1]
É necessário entender a existência de um marxismo vulgar que antecipava determinadas condutas a partir da posição da classe das pessoas.
Segundo essa teoria, se alguém era operário, ia automaticamente tomar consciência
de sua condição, entrar na luta, organizar-se e combater.
Porém, na prática, não era isso o que sempre ocorria.
Alguns setores, sim, adquiriram consciência. Outros, não.
Essa forma mecânica de ver as coisas perdeu vigência com a Revolução Cubana,
particularmente com os posicionamentos críticos de Che Guevara e de Fidel Castro,
precedidos dos de Lenin e Gramsci
que falaram da importância das influências culturais e do entendimento
por parte das forças atuantes da História, do que ocorre ao redor.”[2]
“Existe um marxismo dogmático e um marxismo criativo. Eu situo-me sob o terreno desse último.”[3]
O presente trabalho, cuja dimensão de investigação analítica não poderia ser senão limitada, dedica-se a examinar, em primeira linha, os fundamentos teóricos e os principais fatos políticos que conduzem, na abertura do século XXI, os principais dirigentes políticos e os mais influentes intelectuais do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), a caminharem, regressivamente, no sentido da mais plena deformação e abdicação da herança marxista-revolucionária consubstanciada nos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, bem como nos documentos fundacionais da IV Internacional.
No quadro da presente investigação, serão apresentadas ao leitor, crítica e expositivamente, as premissas lógicas e as expressões políticas mais salientes, segundo as quais as principais forças dirigentes do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), desnaturam e refutam, nos dias de hoje, ostensivamente, as experiências histórico-revolucionárias mais sólidas da classe trabalhadora e as concepções socialistas-revolucionárias proletárias mais basilares que dão sustentação às posições doutrinárias de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, mediante alegações falaciosas de que o socialismo pode ser alcançado através da fase transitória da Democracia Socialista, e não da Ditadura Revolucionária do Proletariado.
Visando a dar cumprimento, da maneira mais clara, nítida e coerente, a essa tarefa temática que o presente texto coloca, é imprescindível apontar ao leitor, logo de início, o fio vermelho fundamental, o eixo central coordenador, o pano de fundo inafastável, que perpassa todo o desenvolvimento de idéias aqui desenvolvido : i.e. a necessidade, cada vez mais crescente, de empreendermos, nos dias que correm, a mais intransigente defesa da Ditadura Revolucionária do Proletariado, tal como essencialmente analisada e conhecida por Marx e Engels em suas obras e, mais particularmente, em face da experiência proletário-revolucionária da Comuna de Paris, bem como efetivamente aplicada e desenvolvida pelos bolcheviques, sob a direção de Lenin, Sverdlov e Trotsky, da maneira mais concreta e aperfeiçoada, no quadro da Revolução de Outubro[4].
Do presente texto, deverá resultar meridianamente claro para o leitor o fato de que é precisamente a defesa da mais autêntica Ditadura Revolucionária do Proletariado, a qual pressupõe e incorpora, indispensavelmente, a consagração da mais ampla e historicamente mais avançada Democracia Proletária, o cerne fundamental da teoria revolucionária marxista que surge, nos dias de hoje, vilipendiado, aviltado e atacado, impiedosamente, em suas características mais genuínas e essenciais, não apenas, em primeira linha, pelas forças políticas e ideológicas remundializantes do capitalismo-imperialista neoliberal e da social-democracia reformista, senão ainda, da maneira mais aberta, pelos principais dirigentes e intelectuais políticos de matizes mao-stalinista, neo-stalinista reciclado e gramisciano, bem como de linhagem supostamente trotskysta, essa última colocada em defesa da Democracia Socialista, como é o caso mais patente dos dirigentes do SU-QI - incidentes todos esses, uns e outros, alternativa ou concomitantemente, separada ou conjuntamente, sobre as fileiras da classe trabalhadora e dos demais socialmente oprimidos dos mais diversos países do mundo.
Essa é a idéia básica que deve a todo momento guiar o leitor na leitura das diversas sub-divisões do presente texto, sendo que a especificidade característica do presente trabalho recairá no exame do perfil próprio e inconfundível, concreto e objetivo, das posições políticas e doutrinárias defendidas, nos dias de hoje, pelos dirigentes e ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI).
Na raiz dessa idéia central embasadora do debate acerca das atuais posições revisionistas do SU-QI – de onde ramificam-se incontáveis corolários e consignas delas decorrentes, reclamando “Uma Europa Social e Democrática e um Mundo dos Cidadãos”, “Apoio à Intervenção e à Presença das Tropas da ONU no Timor do Leste”, “Impôsto Tobin”, “Orçamentos Participativos”, “Conquista da Hegemonia para a Democratização Radical da Sociedade e Transformação do Estado, como forma de Passagem ao Socialismo”, “Controle Social da Justiça” etc. etc., na raiz dessa idéia central, convém repetir, situa-se, nitidamente, tal como resultará comprovado, a mais clara renegação do SU-QI da necessidade da revolução violenta do proletariado, voltada à destruição, ao despedaçamento, à implosão do Estado Burguês, visando à edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Democracia Proletária, enquanto forma transitória do atingimento de uma sociedade sem classes e sem Estado, i.e. o socialismo, fase inferior da sociedade comunista.
Com efeito, a concepção marxista de Ditadura Revolucionária do Proletariado não pode ser confundida, de nenhuma forma – a não ser ambicionando-se, adrede, falsificar, despudoradamente, todos os ensinamentos mais essenciais legados por Marx e Engels, Lenin e Trotsky à humanidade -, com as concepções político-burguesas de “Ditadura em geral” e “Democracia em geral”, sem indagar-se acerca de que classe social está-se tratando, como também não pode ser equiparada aos regimes políticos instaurados pelos partidos comunistas stalinista-autocrático-homicída ou stalinista-maoísta-despótico, exercidos no quadro dos Estados Operários Burocratizados em nome de uma suposta, desfigurada e, realmente, inexistente ”Ditadura Revolucionária do Proletariado”, voltada à construção de um “socialismo ir-real”.
A Ditadura Revolucionária do Proletariado, sem aspas, essa última parte integrante inseparável da doutrina de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, é a Ditadura da classe proletária, explorada e oprimida sob o capitalismo, exercida contra seus exploradores e opressores, portanto a Ditadura da grande maioria das massas sociais exploradas e oprimidas, no campo e na cidade, exercida contra um punhado de burgueses-capitalistas exploradores e opressores.
Essa Ditadura do Proletariado, projetada para existir enquanto fase transitória rumo à primeira fase ou fase inferior do comunismo, i.e. o socialismo, dando pleno desenvolvimento à Democracia Proletária, permite rumar, solida e seguramente, no sentido da edificação de uma sociedade sem classes e sem Estado.
O exercício dessa sua Ditadura de classe pressupõe já o fato de o proletariado revolucionário, hegemônico - no sentido materialista preciso e rigoroso que Lenin confere a esse termo marxista, i.e. não na sua falaciosa versão idealista-gramsciana(crociana), defendida presentemente pelos ideólogos do SU-QI – hegemônico, pois, sobre os demais setores, estamentos e classes sociais oprimidas sob o capitalismo, ter lutado por cumprir sua tarefa histórica-decisiva de despedaçar o Estado Burguês, através da necessária deflagração de um processo revolucionário-socialista violento.
É, precisamente, nesse sentido que o artigo 9° da Constituição de Lenin e Sverdlov, a Constituição da Guerra Civil, promulgada em 10 de julho de 1918, poucos meses após a fundação da Internacional Comunista, proclamou, expressamente :
“Art. 9°. O problema fundamental da Constituição da República Federal Socialista Soviética Russa envolve, em vista do presente período de transição, o estabelecimento da Ditadura do Proletariado urbano e rural e dos camponeses pobres, na forma de um poderoso poder soviético de toda a Rússia, com o objetivo de derrotar completamente a burguesia, de aniquilar a exploração do homem pelo homem e de instaurar o socialismo, no qual não existirá nem divisão de classes nem poder estatal.”[5]
Seria a mais ousada falsificação histórica e o mais acabado abandono de todo o legado histórico, transmitido até nossos dias por Trotsky, imaginar-se que o estabelecimento da Ditadura Revolucionária do Proletariado, tal como impulsionada e desenvolvida no quadro da Revolução de Outubro, não consagrasse a mais ampla e historicamente superior Democracia Proletária, sendo devido e justificável, mediante um “pequeno escorregão”, passar-se a falar, mais preferentemente, de Democracia Socialista, “como pressuposto e condição para um processo de transição rumo a uma sociedade realmente comunista”, como o fazem, atualmente, os mais expressivos e renomados dirigentes políticos e ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), tal como adiante restará comprovado.
Em suas Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de 4 de março de 1919, Lenin teve a oportunidade de esclarecer, notoriamente, no quadro do I Congresso da Internacional Comunista – que indicou como seus melhores representantes Karl Liebnecht e Rosa Luxemburg [6] -, o significado do exercício da Democracia Proletária na Ditadura do Proletariado :
“A diferença fundamental entre a Ditadura do Proletariado e a Ditadura das outras classes, da Ditadura dos Latifundiários na Idade Média, da Ditadura da Burguesia em todos os países capitalistas civilizados, reside em que a Ditadura dos Latifundiários e da Burguesia representava a opressão violenta da resistência da maioria esmagadora da população, nomeadamente a opressão dos trabalhadores.
Pelo contrário, a Ditadura do Proletariado é a opressão violenta da resistência dos exploradores, i.e. de uma minoria ínfima da população, dos Latifundiários e Capitalistas.
Disso resulta que a Ditadura do Proletariado deverá portar, consigo, inegavelmente, não apenas, dito genericamente, uma modificação das formas e das instituições da democracia, mas sim um tal modificação delas que os escravizados pelo capitalismo, as classes trabalhadoras, execerão, efetivamente, a democracia em uma medida jamais vista no mundo antes.
Realmente, a forma da Ditadura do Proletariado, que já foi praticamente elaborada, i.e. o Poder Soviético na Rússia, o Sistema de Conselhos na Alemanha, os Comitês de Fábrica e outras instituições soviéticas análogas em outros países, significa e materializa precisamente para as classes trabalhadoras, i.e. para a maioria esmagadora da população, uma grande oportunidade para se servir dos direitos democráticos e liberdades, tal como jamais existiu, mesmo que aproximadamente, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas(p. 479).”[7]
Precisando seu raciocínio acerca da Democracia Proletária, assinalou Lenin, em suas teses 16 e 20 :
“16. A velha, i.e. a Democracia Burguesa e o Parlamentarismo foram organizados de tal forma que precisamente as massas trabalhadoras eram estranhas ao aparelho administrativo, na medida mais extrema.
O Poder Soviético, i.e. a Ditadura do Proletariado é, pelo contrário, organizado de modo a aproximar as massas trabalhadoras do aparelho administrativo.
Ao mesmo objetivo serve, igualmente, a unificação do Poder Executivo e do Poder Legislativo na organização soviética do Estado e a substituição das circunscrições eleitorais territoriais pelas unidades de produção, tais como oficinais e fábricas(p. 480). ....
20. A cessação (no original alemão : Aufhebung) do Poder de Estado é o objetivo que todos os socialistas colocaram a si mesmos, entre eles e, em seu ápice, Marx.
Sem a materialização desse objetivo, o verdadeiro democratismo, i.e. a igualdade e a liberdade são inatingíveis.
Apenas a Democracia Soviética, ou Proletária, conduz, praticamente, a esse objetivo, pois ela ruma, imediatamente, para a preparação do total perecimento de todo Estado, na medida em que incorpora as organizações das massas dos trabalhadores na participação permanente e incondicional da administração do Estado(p. 481).”[8]
Diante dessas colocações iniciais, resulta claro que o presente trabalho, entendendo como sua missão fundamental defender, intransigentemente, a Ditadura Revolucionária do Proletariado, em face das mais recentes deturpações e da mais completa abdicação do marxismo por parte dos ideólogos do SU-QI, julga conveniente salientar, desde sua introdução, o caráter por ela inconfundivelmente consagrado : i.e. a mais ampla e, em sentido histórico, incomparavelmente, mais elevada Democracia Proletária, indispensável à construção de uma sociedade socialista, ou seja, a defesa de uma Ditadura de classe em que, conforme assinala Lenin, “os escravizados pelo capitalismo, as classes trabalhadoras, execerão, efetivamente, a democracia em uma medida jamais vista no mundo antes”.
Mais do que isso : adiante resultará claro que o atual estágio avançado de decomposição e prostração ideológica em que se encontram os principais dirigentes políticos e mentores intelectuais do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) – e de tantas outras correntes do movimento trotskysta, gramscista e neo-stalinista, a seguir indicadas -, reclama, nos dias de hoje, do leitor interessado uma atenção mais rigorosa e precisa acerca da problemática específica concernente aos limites e à extensão da Democracia Proletária.
Sendo assim, no que concerne à intransigente defesa da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora, por princípio, tal como visto, da mais ampla Democracia Proletária, é necessário recordar, ainda à guisa de introdução, que ela não incorpora, de nenhuma forma, a mais ampla liberdade política para as forças contra-revolucionárias.
Se tomados como base já mesmo os extratos, acima reproduzidos, das Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de 4 de março de 1919, formuladas por Lenin, na abertura do I Congresso da Internacional Comunista, pode-se verificar que a Ditadura Revolucionária do Proletariado pressupõe a idéia de opressão violenta da resistência dos exploradores, i.e. de uma minoria ínfima da população de capitalistas e latifundiários.
Além disso, nessa mesma sede, Lenin reconhece, expressamente, a possibilidade do uso da violência até mesmo contra certos setores do proletariado, empenhados em destruir, direta ou indiretamente, a Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Democracia Proletária :
“Nossos mencheviques percorreram, passo a passo, quase o mesmo desenvolvimento dos teóricos dos Independentes na Alemanha (Lenin refere-se, nesse momento, a Kautsky e Hilferding, entre outros).
Antes, quando neles tinham a maioria, eram a favor dos Soviets.
Diziam : “Viva os Soviets!” “Em defesa dos Soviets!”, “Os Soviets são a Democracia Revolucionária!”.
Depois de que nós, bolcheviques, alcançamos a maioria nos Soviets dizem que os Soviets não podem existir ao lado da Assembléia Constituinte.
Diversos teóricos dos mencheviques fizeram, além disso, a mesma proposta formulada pelos Independentes Alemães de acoplar o Sistema Soviético à Assembléia Constituinte, organizando-os nos limites do Estado(p. 484).”[9]
E, da maneira mais evidente, escreve Lenin, a seguir :
“A grande maioria dos mencheviques passou para o lado da burguesia e luta na guerra civil contra nós.
Nós perseguimos, naturalmente, os mencheviques, nós até mesmo os matamos, se eles lutam na guerra contra nós, contra o Exército Vermelho, se eles assassinam nossos oficiais vermelhos.
À guerra da burguesia respondemos com a guerra do proletariado.
Uma outra saída não pode existir(p. 485).”[10]
Sendo assim, cumpre destacar ser plenamente coerente com o patrimônio doutrinário e os ensinamentos político-práticos de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, o fato de que a Ditadura Revolucionária do Proletariado pressupõe, evidentemente, não apenas a estrita restrição de liberdade política e direitos democráticos para forças contra-revolucionárias, p.ex. (neo)-fascistas ou capitalistas-restauracionistas, senão ainda a possibilidade de uso da violência até mesmo contra certos setores do proletariado que procurem destruir, direta ou indiretamente, tal Ditadura, incorporadora da mais ampla Democracia Proletária.
Nesse mesmo sentido, Nahuel Moreno teve a oportunidade de assinalar, de maneira notoriamente clara, o seguinte :
“Para Lenin, não era a liberdade política, porém apenas o poder ditatorial que era “ilimitado”, após a Revolução de Outubro : « O termo científico « Ditadura » significa nada mais nada menos do que autoridade desvinculada de quaisquer leis, absolutamente irrestringida por regras, quaisquer que forem, e baseada diretamente sobre a força » (Lenin, Uma Contribuição à História das Questões da Ditadura, 1920).
Em O Estado e a Revolução, Lenin cita Engels : « Enquanto o proletariado ainda necessitar (grifo no original) do Estado, ele não o faz no interesse da liberdade, porém a fim de oprimir seus adversários e, tão logo se torne possível falar de liberdade, o Estado enquanto tal deixará de existir. » (Lenin, O Estado e a Revolução, 1917).
No « Programa do Partido Comunista », por ele escrito e ratificado por Trotsky, em 1936, Lenin enfatiza as « restrições .... de liberdade » até que o socialismo tenha vencido e a exploração do homem pelo homem desapareça : « ...supressão de direitos políticos e outras restrições de liberdade são meramente medidas provisórias que deixarão de ser necessárias quando a possibilidade objetiva de exploração do homem pelo homem deixar de existir... ».
Na Revolução Traída, o volume no qual o SU-QI procura basear sua « norma programática e principista », Trotsky insiste que, sob a Ditadura do Proletariado, devem existir « limitações estritas de liberdade » (« Para estar assegurada, uma Ditadura Revolucionária significa, por sua própria essência, estritas limitações de liberdade »). (Trotsky, A Revolução Traída, 1936).
Próximo do exílio, ele nos alertou que « a Ditadura do Proletariado é inconcebível sem o uso da força mesmo contra seções mesmo do proletariado ».
Em 1938, o « Programa de Transição » repete essa declaração « ... as fórmulas de democracia (liberdade de imprensa, direito sindical etc.) significam, para nós, apenas consignas incidentais e episódicas no movimento independente do proletariado ... »(Trotsky, A Agonia Mortal do Capitalismo e as Tarefas da IV Internacional, 1938).“[11]
No que concerne à extensão da Ditadura Revolucionária do Proletariado, portadora histórica da mais ampla Democracia Proletária, já é possível deduzir-se, coerentemente, a partir das citações e argumentações retro-apresentadas, qual seria a postura dela exigível, no quadro dos processos revolucionários do proletariado, em face das instituições mais típicas e inseparáveis do Parlamentarismo Burguês, tal como aquelas consubstanciadoras das concepções jurídico-burguesas de Assembléia Nacional e Assembléia Nacional Constituinte.
Nada obstante, convém destacar, documentalmente, como Lenin abordou essa problemática, nas Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de 4 de março de 1919 :
“A mais completa bancarrota dos socialistas que se reuniram em Berna (Lenin refere-se aqui aos socialistas da Internacional Amarela, Kautsky, Hilferding, Martov, Longuet, Turati, Branting etc.), sua mais completa incompreensão para a nova, i.e. para a Democracia Proletária, pode ser atestada no seguinte :
Em 10 de fevereiro de 1919, Branting declarou encerrada a Conferência Internacional da Internacional Amarela, em Berna.
Em 11 de fevereiro de 1919, seus participantes publicaram, em Berlim, no jornal “A Liberdade” um apelo do Partido dos “Independentes” ao proletariado.
Nesse apelo aceita-se o caráter burguês do governo Scheidemann, acusa-se-o de querer eliminar os Conselhos (Räte), que são chamados de portadores e guardiães (Träger und Schützer) da revolução, e formula-se a proposta de legalizar os Conselhos (Räte), conferindo-se-lhes Direitos de Estado, dando-se-lhes o Direito de Impugnação contra as decisões da Assembléia Nacional, com o efeito de ter de decidir um plebiscito nacional.
Uma tal proposta desmascara a total falência ideológica dos teóricos que defendem a democracia e não entenderam seu caráter burguês.
A tentativa ridícula de unificar o Sistema dos Conselhos, i.e. a Ditadura do Proletariado, com a Assembléia Nacional, i.e. a Ditadura da Burguesia, desvenda, definitivamente, às forças incessantemente crescentes da nova Democracia Proletária, tanto a pobreza de espírito dos Socialistas Amarelos e dos Sociais-Democrátas e sua essência politicamente reacionário-pequeno-burguesa quanto suas concessões medrosas(p. 479). ...
Nos primeiros oito meses da Revolução Russa foi por demais discutida a questão da organização dos Soviets.
Para os trabalhadores não estava claro no que consistiria o novo sistema e se seria possível fazer dos Conselhos um aparelho de Estado.
Procedemos em nossa revolução de modo prático e não teoricamente.
A questão da Constituinte, p.ex., não a havíamos colocado, teoricamente, antes.
Não havíamos dito que não reconhecíamos a Assembléia Constituinte.
Apenas depois, i.e. depois de que as organizações soviéticas se espalharam por todo o país e conquistaram o poder político, apenas então ocupamo-nos de desbaratar a Constituinte(p. 486).”[12]
A luta pela clarificação desses conceitos teóricos envolvendo a Ditadura do Proletariado, enquanto incorporadora da mais ampla Democracia Proletária, situa-se, plenamente, no quadro da mais impiedosa luta teórica do proletariado, da qual falaram Engels e Lenin por tantas vezes[13], sendo que será o dever do presente trabalho impulsioná-la, crítica e documentalmente, prestando informações claras, fornecendo subsídios específicos, ao leitor, particularmente no que concerne à trajetória percorrida pelo Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI) nos últimos anos e à sua situação do momento atual, quando aproxima-se das portas de seu XV Congresso Mundial.
No que concerne expecificamente à renegação mais clara do marxismo por parte da direção do SU-QI, o presente trabalho destacará, nos capítulos a seguir, que essa opera-se, presentemente, em troca de um colaboracionismo, difuso e eclético, velado e submisso, com a ideologia gramisciana, concebida aqui enquanto teoria e prática fundamentalmente hostil ao trotskysmo, revisionista e parasitária de toda tradição proletário-revolucionária marxista-leninista, doutrinariamente bem delineada e plasmada organizativamente, seja em escala internacional, seja em diversas organizações de esquerda dos mais avançados países capitalistas-imperialistas da atualidade.
É bem verdade que o presente trabalho demonstrará, au passage, que a ideologia, essencialmente idealista, de Gramsci – i.e. oposta aos fundamentos mais legítimos do materialismo histórico e à dialética materialista de Marx e Engels – surge expressamente reivindicada ou coniventemente admitida, no quadro do movimento trotskysta da atualidade, não apenas pelos principais ideólogos do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI) e de suas principais seções nacionais, como é o caso da Tendência Democracia Socialista(DS), do Brasil, senão ainda pelos mais representativos teóricos da seção italiana da Oposição Trotskysta Internacional(OTI), Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta (AMR-Proposta, de Franco Grisolia, Marco Ferrando, Francesco Ricci), pelos grupos e partidos nacionais intituladamente “trotskystas-luxemburgistas” defensores do Capitalismo de Estado(SWP - Tony Cliff) e Socialismo Revolucionário da Itália(SR), como também, de maneira mais notável e diretiva, por representantes intelectuais do Partido Obrero(PO - Jorge Altamira), do Partido dos Trabalhadores pelo Socialismo (PTS – Fração Trotskysta), do Movimento ao Socialismo (MAS) e, de modo mais periférico e fragmentário – porém, lamentavelmente, em considerável expansão - também por alguns expoentes teórico-políticos do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), seção brasileira da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT – IV Internacional).
Essa apreciação analítica que aponta já para a ontologia de um trotskysmo eclético-mediano, organicamente em movimento na abertura do século XXI - resultado de uma mescla de matizes doutrinários originariamente antagônicos, emergente de fusões e subtrações acomodadoras de lógicas gnosiológicas primitivamente antípodas, proposições doutrinárias e concepções políticas geneticamente paradoxais, tanto mais difícil de compreender-se quanto mais sejam aparadas as pontas mais contundentes e determinadas das linhagens doutrinárias antagônicas – essa apreciação possui, efetivamente, um caráter restritivamente temporal e limitadamente atualizado ao presente em curso, sendo plenamente seguro haver de variar, no curso dos próximos eventos históricos, em sentidos multifacetados, idênticos ou inversos, conforme o caso do agrupamento em análise, em função do grau de amplitude e de penetração do impacto patológico gramscista sobre o trotskysmo contemporâneo e das tendências propulsoras da luta de classes do proletariado, no caminho de sua luta emancipadora rumo à Ditadura Revolucionária do Proletariado e do socialismo.
Cada uma dessas organizações cedem, segundo o seu mais próprio e incontrastável estilo, na sua forma mais específica e determinada, ao gramscismo, muitas vezes procurando, aqui e ali, acorbertá-lo, disfarçá-lo, desidentificá-lo em suas implicações políticas mais gritantes, lançando mão da idéia referente à sua suposta conciliabilidade lógico-teórica com o pensamento e o percurso histórico-revolucionário seja de Marx e Engels, de Lenin, Sverdlov e Trotsky, ou ainda de Luxemburg e Liebknecht, tal como pode-se já atestar a partir mesmo da declaração de identidade política da Tendência Democracia Socialista(DS), do Brasil, citada na introdução ao presente texto.
De toda sorte, o ponto de gravidade permanente, o centro de preocupação essencial da presente investigação reside, entretanto, na análise mais detalhada das políticas, programas e consignas do SU-QI em sua especificidade, partindo do que afirma, oficial e abertamente, essa organização internacional, sobretudo em seu órgão político oficial, i.e. a Revista INPREKORR e, paralelamente, do que consta na litaratura produzida por seus principais ideólogos, localizando-se, nesse contexto, seu característico revisionismo e seu mais avançado estágio de enfermidade gramsciana, desenvolvendo-se, a partir daí, a necessária polêmica político-teórica contra suas atuais posições de desnaturação e renegação da teoria revolucionária do marxismo.
Com efeito, os mais pronunciados intelectuais e dirigentes políticos da Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR), seção francesa do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), e, por sua vez, também dirigentes internacionais de maior influência do próprio SU-QI, i.e. Michaël Löwy, Daniel Bensaïd, Catherine Samary, entre outros, empreendem, desde há mais de uma década, uma manifesta colaboração teórico-intelectual com os mais renomados expoentes teóricos da corrente doutrinária meta-marxista[14] franco-gramsciana de Actuel Marx, comandada por Jacques Texier e Jacques Bidet, dedicada à assim chamada atualização, correção e superação do marxismo, em sentido franco-gramsciano[15].
No contexto desse projeto de aliança doutrinária eclética “trotskysta-gramsciana” em território francês, decidiram esses célebres teóricos e líderes franceses da Liga Comunista Revolucionária (LCR) e, consegüintemente, também do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), em confraternização e comum acordo com aqueles de Actuel Marx - todos eles militantes ativos, nos dias de hoje, no seio da intelectualidade acadêmica da Universidade Sorbonne de Paris -, estreitar esforços para, juntamente com velhos e novos teóricos do Partido Comunista Francês (PCF), tais como Lucien Sève, Georges Labica, Etienne Balibar e André Tosel, fundarem um colossal projeto teórico-doutrinário e político-ideológico comum, de caráter nacional-francês e, ao mesmo tempo, internacional : os Espaces Marx e, sua contra-parte de dimensão mundial, os Espaces Marx Réseau International. Pour Une Construction Citoyenne du Monde, i.e. os Espaços Marx e os Espaços Marx Rede Internacional. Em favor da Construção de uma Cidadania do Mundo.
Sendo assim, cumpre levantar, introdutoriamente, os seguintes questionamentos :
Qual o posicionamento coerente que os trotskystas devem manter diante da orientação política irradiada, publicamente, de maneira ostensiva ou difusa, pelos principais protagonistas do SU-QI e do gramscismo na atualidade ?
De que forma atuar em face dos Espaces Marx e Espaces Marx Réseau International. Pour Une Construction Citoyenne du Monde, dirigido, presentemente, por Daniel Bensaïd, Jacques Texier, Catherine Samary, Jacques Bidet, Michaël Löwy, entre outros ?
Como reagir diante da International Gramsci Society, de Valentino Gerratana e Giorgio Baratta, ou ainda da Fondazione Instituto Gramsci, de Giuseppe Vacca?
Como proceder em face da incidência sobre dirigentes políticos da esquerda socialista empreendida pelo Rethinking Marxism da University of Massachusetts at Amherst, comandado por Antonio Callari, Stephen Cullenberg, David Ruccio e Etienne Balibar, o Correio da Cidadania, de Plínio Arruda Sampaio, o Instituto Cidadania, de Lula, e a organização Gramsci e o Brasil, de Carlos Nelson Coutinho e Milton Temer?[16]
Como se tais indagações não bastassem, essa nova e abrangente iniciativa política oportunista, tal como esse novo redirecionamento eclético, de índole “trotskysta-gramsciano”, impulsionado pelos dirigentes políticos e doutrinadores intelectuais da Liga Comunista Revolucionária (LCR) e do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), vêm sendo calorosamente estimulados e encontram repercussão exponencial também nos posicionamentos políticos sufragados por Livio Maitan, o mais prestigiado dirigente do SU-QI em território italiano, bem como prinicipal teórico de sua respectiva seção italiana Bandiera Rossa e membro da direção do Partido Refundação Comunista da Itália.
Precisamente nesse sentido, Bandiera Rossa. Rivista Marxista, colocada sob a direção política e intelectual direta de Livio Maitan, apresenta, nos dias de hoje, expressa e publicamente, a seguinte declaração de identidade ideológica :
“Os companheiros que provêm da experiência da seção italiana da Quarta Internacional evitaram sempre autodefinir-se trotskystas, a não ser em reação aos ataques caluniosos.
Antes de tudo, sempre dissemos, mesmo bem antes de confluir ao Partido Refundação Comunista, que, se somos trotskystas, somos também leninistas, luxemburguistas, guevaristas, gramscianos etc.
Procuramos sempre integrar no nosso patrimônio teórico todas as grandes contribuições do pensamento marxista e revolucionário, do marxismo crítico e criativo.
Poder-se-ia dizer também que hoje, para ser um marxista e um revolucionário, não basta Trotsky ...
Como explicamos mais detalhadamente na parte mais propriamente histórica desse opúsculo, o assim-chamado “trotskysmo” não é nada senão uma corrente do movimento operário, surgida inicialmente na URSS para combater a involução burocrática e defender as aquisições da Revolução Russa, uma corrente revolucionária anti-capitalista, fortemente internacionalista, que levou ao centro da sua política e das suas preocupações a mobilização das massas populares, a sua participação e auto-organização, e que defende uma idéia democrática de socialismo, baseada em formas de democracia de conselhos, de auto-gestão, de controle sobre os eleitos, contra qualquer forma de verticalismo, burocratismo e centralismo autoritário.
Em outras palavras : a Democracia Socialista como pressuposto e condição para um processo de transição rumo a uma sociedade realmente comunista”[17].
Nesse vale de lama pútrida – para usar-se as palavras de Lima Barreto-, nesse clima profundamente insólito, grotesco e nauseabundo de desfiguração, deturpação, corrupção e desnaturação da doutrina revolucionária tradicional de Marx e Engels, de Lenin e Trotsky, de disfarçado abandono e hipócrita rejeição da Ditadura Revolucionária do Proletariado em nome da Democracia Socialista, “enquanto pressuposto e condição para um processo de transição rumo a uma sociedade realmente comunista” - Democracia Socialista essa jamais comprovada por qualquer experiência histórica da luta de classes de libertação do proletariado -, a presente investigação procurará elaborar, nitidamente, em seus três capítulos, a seguir justapostos, a presente configuração teórica e política da direção do SU-QI, situado, hoje, às vésperas de seu XV Congresso Mundial.
No Capítulo I intitulado Para onde foi e para onde vai a direção do SU-QI ? o presente texto apresenta, segundo um modo de abordagem prospectivamente histórico-político, os principais elementos que permitem delinear a trajetória da crescente capitulação dessa organização internacional à ideologia fundamental que inspirou o Euro-Comunismo nos anos 70, i.e. a “ideologia gramisciana”, enquanto doutrina essencialmente renegadora do trotskysmo, revisionista e parasitária da tradição proletário-revolucionária marxista-leninista e mais sensivelmente adaptada aos preconceitos democrático-burgueses que dominam e oprimem as massas proletárias dos países capitalitas-imperialistas, e, adicionalmente, aquelas dos principais países situados na periferia do processo de remundialização capitalista-imperialista.
Nesse primeiro capítulo, o recurso ao pensamento analítico de Nahuel Moreno, registrado em seu livro de 1979 “A Ditadura Revolucionária do Proletariado”, tornou-se imprescindível, a fim de poder elucidar, à luz das transformações históricas operadas no interior do SU-QI, a natureza e a dimensão teórico-políticas de sua crescente capitulação aos preconceitos democrático-burgueses das massas proletárias ocidentais, ao longo das últimas décadas, e expressada, recentemente, da maneira mais crucial, na palavra de ordem “Por uma Europa Social e Democrática e um Mundo dos Cidadãos.”
O Capítulo II ocupa-se, a seguir, com a exposição dos traços marcantes e comprobatórios da presente colaboração do SU-QI com o meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx, dedicando-se à elucidação da atual orientação política do SU-QI em domínios específicos e concretos da luta de classes.
Nessa sede, são fornecidos elementos acerca da defesa falaciosa e funesta, empreendida pelos principais expoentes do SU-QI, dos conceitos de Democracia Socialista, Defesa da Cidadania, Conquista da Hegemonia para a Transformação do Estado, Impôsto Tobin, entre outras, culminando com o exame da natureza político-institucional do Orçamento Participativo, estabelecido pelo Governo do Rio Grande do Sul, no Brasil.
Além disso, os últimos subtítulos do Capítulo II do presente trabalho são dedicados ao estudo do surgimento e da estruturação do gramscismo francês.
Eles voltam-se à apresentação das bases histórico-constitutivas da corrente do meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx, cujos nervos teóricos alimentam, intelectual e politicamente, a presente dinâmica e o atual perfil da capitulação do SU-QI aos preconceitos democrático-burgueses fomentados pelo imperialismo capitalista remundializante.
O Capítulo III confronta-se com a tarefa de demonstrar, de maneira metodologicamente cuidadosa e detalhada, a radical incompatibilidade essencial, existente entre os posicionamentos doutrinários e políticos de Gramsci e Trotsky.
Esse último capítulo pretende colocar às claras os traços de stalinismo de Gramsci no campo político-partidário, sua decidida oposição a Trotsky no campo teórico-doutrinário, bem como as razões que permitem afirmar que sua lógica filosófica antagoniza, diametralmente, os princípios mais elementares do socialismo científico de Marx e Engels.
A via ao socialismo democrático-pacifista da “guerra de posição” de Gramsci é, afinal, analisada em contraste direto com a doutrina relativa à Ditatura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Democracia Proletária, desenvolvida no pensamento de Marx e Engels, Lenin e Trotsky.
Ao leitor fica a advertência de que, também nesse caso, estamos nos umbrais da porta de entrada de uma avalanche polêmica, áspera e turbulenta, - sobretudo em solo europeu e norte-americano – onde Antonio Gramsci é reverenciado, nos dias de hoje, como um “grande comunista”[18], e tanto referido como reivindicado, abertamente, para dirimir disputas políticas e ideológicas entre militantes e agrupamentos de esquerda.
Com efeito, não é o célebre historiador Eric J. Hobsbawm, renomado mundialmente, no seio de partidos operários e nas salas de academias universitárias, o autor do pensamento de que Gramsci abriu o caminho inédito “da teoria marxista da política”, tendo sido “o primeiro marxista a fazê-lo” ?[19]
É importante anotar, por fim, à guisa de introdução, visando a melhor situar o leitor no quadrante dos temas desenvolvidos a seguir, que, até o presente momento de preparação do XV Congresso Mundial do Secretariado Unificado (SU-QI) – i.e. novembro de 2000 -, é possível identificar-se a formação de duas correntes oposicionistas à atual direção preponderantemente franco-ítalo-brasileira do SU-QI : a corrente encabeçada por Socialist Action, de Gerry Foley, - mais débil e politicamente menos estruturada, em razão sobretudo de seus posicionamentos essencialmente pró-castristas – e a corrente do Bloco Oposicionista, comandada até o presente momento por Solidarity P.C., de Steve Blum – dotada de considerável trabalho em sindicatos norte-americanos - e pela Tendence R !, atuante no interior da LCR Francesa e já expressamente referida no presente trabalho.
Esse Bloco Oposicionista revela-se, entretanto, bem heterogêneo, na medida em que agrupa um expressivo arsenal de militantes oposicionistas à direção do SU-QI, ligados seja a grupos mais sectários e menos estruturados, como a Revolutionärer Sozialistischer Bund(Liga Socialista Revolucionária), de Jakob Schäfer, da Alemanha, com seus 90 militantes, e o Peoples Democracy, da Irlanda, com seus 15 militantes, seja vinculados ao expressivo Partido Indiano de Skanthakumar, Chattopadhyay e Krishnan, com cerca de 600 militantes, posicionado, preponderamente, segundo a linha política da Oposição Trotskysta Internacional(OTI).
Quanto à OTI, cumpre observar que essa organização trotskysta internacional encontra-se, presentemente, quase que totalmente expulsa do SU-QI.
Recentemente, a direção do SU-QI declarou rejeitar a militância de Chris Edwards, dirigente da OTI na Inglaterra, por ter esse último atacado a tática entrista da seção britânica do SU-QI no Socialist Labor Party e não abjurar sua militância na OTI.
O grande cavalo de batalha da OTI no interior do SU-QI é, presentemente, o partido indiano referido acima, sendo que esse partido parece estar atuando dinamicamente e intervindo ativamente na política indiana, segundo linha política fornecida prepondarentemente pela OTI, e não pelo SU-QI.
Nesse quadro, o único grupo da OTI no SU-QI seria, então, presentemente, sua pequena seção dinamarquesa Trot, dirigida por Jette Krommann.
A seção italiana da OTI, a Associazzione Marxista Rivoluzionaria Proposta, encabeçada por Franco Grisolia, Marco Ferrando, Tiziano Bagarolo e Francesco Ricci, mantém, nos dias de hoje, trabalho muito solidário com o Partido Obrero(PO) de Jorge Altamira e com o Partido Revolucionário dos Trabalhadores da Grécia(EEK), de Michail Savas-Matsas, distinguindo-se das demais seções da OTI que avançam em seu criticismo ao sectarismo esquerdista e caudilhismo personalista de Jorge Altamira.
Expressão mais clara dessa mais recente colaboração política entre Proposta, EEK e PO foi sua mais recente intervenção conjunta na mobilização contra o FMI e o Banco Mundial, de 22 a 27 de setembro de 2000, em Praga, com vistas a reavivar a perspectiva de refundação da IV Internacional, com base no projeto da Convenção de Gênova, de 1997.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES
“UNIVERSIDADE COMUNISTA J. M. SVERDLOV”
PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA
DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS
MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS
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[1] Cf. EM TEMPO. 20 JAHRE „DEMOCRACIA SOCIALISTA“. DELEGIERTEN-KONFERENZ VON „DEMOCRACIA SOCIALISTA“(Em Tempo. 20 Anos de „Democracia Socialista. Conferência de Delegados de „Democracia Socialista“), in : INPREKORR. Internationale Pressekorrespondenz, Nr. 337/338, November/Dezember 1999, p. 39.
[2] Cf. PETRAS, JAMES. Lo Que Empezó Como un Movimento Antiglobalización, Ahora Está Incluyendo La Lucha Anticapital, Anticapitalista, Antiguerrerista, Entrevista de Alina Perera Robbio de Juventude Rebelde (Cuba), in : Rebelion. Periódico Electrónico de Información Alternativa, 2 de Fevereiro de 2003.
[3] Cf. STALIN, JOSEF W. Rede auf dem VI. Parteitag der SDAPR (B) (Discurso Pronunciado no VI Congresso do Partido Operário Social-Democrático Russo Bolchevique) (3 de Agosto de 1917), especialmente Erwiderung an Preobrajensky zur Frage des 9. Punktes der Resolution “Über die Politische Lage” (Contestação a Preobrajensky acerca da Questão do IX Ponto da Resolução “Acerca da Situação Política”), in: J.W. Stalin Werke, Vol. III, Dortmund : Roter Morgen, 1976, p. 173.
[4] Acerca dos fundamentos dessa matéria, vide, antes de tudo, MARX, KARL Kritik des Gothaer Programms (Crítica do Programa de Gotha)(1875), in : Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XXIX, pp. 28 e s.; LENIN, VLADIMIR I. Gosudarstvo i Revolutsia. Utchenie Marksisma o Gosudarstve i Zadatchi Proletariata v Revoliutsi (O Estado e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as Tarefas do Proletariado na Revolução) (1917), Moscou, 1989, especialmente Cap. 5.2 : Os Fundamentos Econômicos da Extinção do Estado – Transição do Capitalismo ao Comunismo, pp. 87 e s.
[5] Vide, acerca do tema, CONSTITUTION OF THE RUSSIAN SOCIALIST FEDERATED SOVIET REPUBLIC, Adopted by the Fifth All-Russia Congress of Soviets (Adotada pelo V Congresso dos Soviets de Toda Rússia), Moscou, 10 de Julho de 1918, Chapter V, art. 9°. Vide tb. comentários de STUTCHKA, PIOTR. Constitutsia Grajdanskoi Voinyi (1918 - A Constituição da Guerra Civil. Tradução em Língua Portuguesa de Emil von München), in: Textos Jurídicos de Formação dos Juristas Socialistas da Classe Trabalhadora. Instituto Luís e Rosa Sunderman : Ed. Jurídica Socialista dos Trabalhadores, São Paulo-Munique-Paris, 2000.
[6] Apreciando, resgatando e defendendo, devidamente, a tradição essencialmente marxista de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, comprometida, antes e acima de tudo, com a perspectiva de organização da revolução violenta do proletariado para a edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado na Alemanha, Lenin afirmou, solenemente, em seu Discurso de Abertura do I Congresso do Komintern : „Em nome do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia, declaro aberto o I Congresso da Internacional Comunista. Em primeiro lugar, peço a todos os presentes que se levantem de suas cadeiras em memória dos melhores representantes da III Internacional : Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg.“ Cf. LENIN, VLADIMIR I. Rede bei der Eröffnung des Kongresses 2. März. I Kongreß der Komm. Internationale (Discurso na Abertura do Congresso de 2 de Março. I Congresso da Internacional Comunista), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de 1919), Berlim, 1959, p. 469. Essas palavras de Lenin, relacionadas com sua interpretação do papel histórico de Liebknecht e Luxemburg, enquanto os melhores representantes da Internacional Comunista, deveriam, em princípio, servir, por si mesmas, como látego desferido frontalmente contra as desavergonhadas tentativas doutrinárias dos principais ideólogos franco-gramscianos de Actuel Marx e do SU-QI, voltadas a transformar Rosa Luxemburg em uma social-oportunista vulgar, que carrega, eternamente, consigo, no caminho da luta pelo socialismo, a auréola santificada da defesa de fórmulas de liberdade essencialmente democrático-burguesas. Acerca dessa polêmica, com referências claras aos posicionamentos de Jacques Texier e François Vercammen, como também às próprias posições de Rosa Luxemburg, vide mais precisamente o Capítulo II do presente texto.
[7] Cf. LENIN, VLADIMIR I. Thesen und Referat über bürgerliche Demokratie und Diktatur des Proletariats 4. März. I Kongreß der Komm. Internationale (Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e Ditadura do Proletariado de 4 de Março. I Congresso da Internacional Comunista), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de 1919), Berlim, 1959, p. 479.
[8] Cf. IDEM. ibidem, pp. 480 e 481.
[9] Cf. IDEM. ibidem, p. 484.
[10] Cf. IDEM. ibidem, p. 485.
[11] Cf. KARIM, DARIOUSH. The Revolutionary Dictatorship of the Proletariat, Bogotá: Partido Socialista de los Trabajadores of Colombia, 1979, pp. 25 e 26.
[12] Cf. LENIN, VLADIMIR I. ibidem, pp. retro-mencionadas.
[13] Segundo Engels : „Será, nomeadamente, o dever dos dirigentes adquirir clareza da vez maior acerca de todas questões teóricas, libertar-se, cada vez mais, da influência das frases tradicionais, pertencentes à concepção do mundo, e ter em vista, constantemente, que o socialismo, desde que se tornou ciência, exige ser tratado como uma ciência, i.e. exige ser estudado. Tudo dependerá de propagar, com zelo crescente, entre as massas de trabalhadores, a visão, cada vez mais clarificada, assim adquirida, de amarrar ( no original alemão : zusammenschließen ), cada vez mais firmemente, o partido e as organizações sindicais.“ Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Ergänzung der Vorbemerkung von 1870 zu „Der deutsche Bauernkrieg”(Suplemento à Prenotação de 1870 acerca da „Guerra Camponesa na Alemanha“ (1° de Julho de 1874), in: Marx und Engels Werke (Obras de Marx e Engels), Berlim, 1962, Vol. XVIII, p. 513. Em sua obra O Que Fazer ?, Lenin assinala, literalmente : „No presente momento, gostaríamos apenas de declarar que o papel de lutador de vanguarda pode ser cumprido apenas por um partido que é guiado pela teoria mais avançada.“ Cf. LENIN, VLADIMIR I. Shto Dielat ? Nabolievshie Voprosyi Nashevo Dvijeniia(1902), (O Que Fazer. Questões Candentes do Nosso Movimento), Moscou : Izdatielstvo Polititcheskoi Literaturyui, 1989, p. 23.
[14] É importante salientar, desde logo, que, em sentido linguístico-humano – i.e. não no sentido da terminologia pseudo-científica do meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx - o prefixo grego „μετά“, no alfabeto latino „meta“, significa, precisamente, após, depois, pós, além ou ainda transposto, transladado. Assim, é costume ouvir falar-se, presentemente, p. ex., de metamorfose (transformação de forma), metáfora (figura transladada, sentido figurado ou transportado), metalinguagem (linguagem utilizada para atingir e abordar uma outra linguagem) etc. Em sentido rigorosamente histórico-científico, os filosófos helênicos tiveram a oportunidade de utilizar, pela primeira vez, o vocábulo metafísica, no sentido de τά μετά τά φΰσικά, i.e. aquilo depois ou além da física. A expressão „metafísica“, em destaque, foi utilizada, em um primeiro momento, provavelmente, por Andronikus, no século I A.C., por ocasião de sua edição dos escritos de Aristóteles. Com efeito, em sua referida edição, Andronikus afirmava que, em primeiro lugar, deviam ser considerados os escritos lógicos de Aristóteles, a seguir os físicos ou científicos-naturais, e, por fim, a sua „filosofia primeira“ ou ciência do ser, i.e. a ciência das razões últimas e dos conceitos gerais do ser, bem como suas demais obras restantes. Nessa ordem de apresentação, aquilo depois ou além da física de Aristóteles, i.e. τά μετά τά φΰσικά ou, mais simplesmente, o metafísico, era representado pela „filosofia primeira“ aristotélica, tal como constante na edição de Andronikus, em que Aristóteles pretendeu fundamentar, desde de um ponto de vista dualista, de matiz realista-naturalista, a essência do ser, da realidade e do sentido do mundo. Posteriormente, no quadro da filosofia clássica alemã, Immanuel Kant, desde uma perspectiva dualista, porém de matiz cético-idelista-subjetivista, pretendeu fundar dois conceitos de metafísica : a metafísica dogmática – ocupada em extrair o conhecimento do além-mundo a partir de simples conceitos, o que para Kant seria, plenamente, impossível – e a metafísica crítica – ocupada em investigar os fundamentos de tal conhecimento em sua unidade sistêmica, provando o significado dos elementos idealistas-apriorísticos. Essa lógica-epistemológica crítico-metafísica, foi decomposta, então, por Kant, enquanto sistema, em metafísica da natureza e metafísica dos costumes, essa última subdividida, a seguir, em teoria dos princípios metafísicos da Ética e do Direito. Cumpre observar que Karl Marx, desde seus primeiros momentos de consciência intelectual, ainda em seus tempos de estudante da Universidade de Berlim e de Jena, posicionando-se já sobre bases materialistas, analisou, profundamente, e repudiou, como infrutíferas, toda teoria ocupada em fazer prosperar abordagens metafísicas. Nesse sentido, assinalou Karl Marx, em 1837 : „Sobretudo, surgiu, aqui(i.e. no Direito Público), de modo pertubador, o mesmo oposto entre realidade e dever ser, próprio do idealismo, tornando-se a matriz da divisão subseqüente, incorreta e irrecuperável. De início, apareceu a Metafísica do Direito - assim por mim denominada piedosamente, i.e. os fundamentos, as reflexões, as determinações conceituais - separada de todo Direito real e de toda forma real do Direito, tal como aparece em Fichte, apenas de modo mais moderno e sem conteúdo. ... Pelo contrário, na expressão concreta do mundo do pensamento vivo, tal como é o Direito, o Estado, a natureza, a inteira filosofia, deve o próprio objeto ser escrutado em seu desenvolvimento. Divisões arbitrárias não podem se imiscuir. A razão da própria coisa deve encontrar sua unidade em si, enquanto movimento em si litigante. ... Na conclusão do Direito Privado Material, vi a falsidade do todo que, no esquema fundamental, faz fronteira com o kantismo, dele se esquivando totalmente na exposição, e, mais uma vez, tornou-se-me claro que sem filosofia não é possível penetrar. Assim, permeti-me a, com boa consciência, nela lançar-me novamente e escrevi um novo sistema fundamental metafísico, em cuja conclusão fui forçado a admitir, novamente, o equívoco das pretensões dele (i.e. do kantismo) e de todas as minhas pretensões precedentes. ... Do idealismo, o qual – dito de passagem – comparei e aproximei com o de Kant e o de Fichte, passei, então, a procurar a idéia, na realidade mesma. Se os deuses tivessem, anteriormente morado sobre a terra, teriam se tornado, agora, o centro da mesma. ... Durante minha indisposição, havia conhecido Hegel do início ao fim, juntamente com a maioria de seus discípulos. ...“ Cf. MARX, KARL. Brief an den Vater(Carta ao Pai)(1837), in : Marx und Engels Werke, Vol. XL, Berlim, 1962, pp. 5 e s. Nas obras posteriores de Marx e Engels, as teorias metafísicas ou, digamos assim, as meta-teorias, seriam consideradas, devido a seu caráter fantástico-idealista, abstrato-subjetivo e obscurantista-conservador ou ainda reacionário, propriamente como hostis ao materialismo histórico e à dialética materialista. Nesse sentido, vide, sobretudo, ENGELS, FRIEDRICH. Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zu Wissenschaft (O Desenvolvimento do Socialismo da Utopia à Ciência)(1880), in : ibidem, Vol. XIX, pp. 202 e s. No Capítulo II do presente trabalho, será apresentada, pormenorizadamente, a posição de um dos principais expoentes do meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx, Jacques Bidet, que, assinala em seu O Que é o Marxismo ?, intentar o meta-marxismo(ou, diríamos nós, o pós-marxismo ou o marxismo-do-além) inscrever o marxismo no sentido de uma teoria supostamente mais larga, completando-o, corrigindo-o, atualizando-o, superando-o, tal como em uma reelaboração da teoria marxista, tal como em uma teoria acerca da teoria marxista, com os pressupostos teóricos do idealismo-subjetivista de Immanuel Kant, Georg W. F. Hegel John Rawls e Jürgen Habermas, de modo a conduzir à consagração de um Socialismo Mercantil-Humanizado Ecológico, dotado de uma Contratualidade Estatal Dirigente. Acerca do tema, vide BIDET, JACQUES. Capitalisme, Communisme, Marxisme, Socialisme, in : Actuel Marx Confrontation. Colloque International Sorbonne, 17-18-19 Mai 1990, organisé par la Revue Actuel Marx et l’Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, sous la direction de Jacques Bidet et Jacques Texier, Paris : PUF, 1991, pp. 24 e s. Por fim, observo que o termo conceitual „meta“, em seu sentido mais abrangente e mais genérico, tal como já bem assinalado por certos habitantes da Catalunha, destaca a insuperável imperiosidade que assalta os intelectuais revisionistas e parasitários, em sentido pequeno-burguês classista-conciliacionista, relativamente à doutrina de Marx e Engels, de „metar“ tudo aquilo que não logram por si mesmo fundar sobre raízes lógico-epistêmicas sólidas, submetendo-se, para tanto, a incansáveis e constantes seções de metapertubações mentais. Nesse último caso, o prefixo grego „μετά“ é suscetível de assumir, legitimamente, a forma verbal neo-latina „metar“, acima-referida.
[15] Com ver-se-á mais pormenorizadamente adiante, a presente caracterização segue sendo rigorosamente válida, mesmo tendo-se em conta os novos eventos políticos relacionados com a realização do último Congresso da LCR, que teve lugar entre os dias 1°. e 4 de junho de 2000. Com efeito, no que concerne à orientação político-ideológica dessa organização, no sentido de sua crescente capitulaçãoo à ideologia gramsciana de Actuel Marx e dos Espaces Marx, nenhuma cura puderam aportar os recentes fenômenos políticos relacionados com sua aliança eleitoral com Lutte Ouvrière, para a intervenção nas Eleições Parlamentares Européias de 1999, a conquista por essa aliança eleitoral de 5 deputados europeus, eleitos sobre a base da lista comum LCR-LO, enquanto membros de suas direções nacionais, – i.e. pela LCR : Alain Krivine e Roseline Vachetta, pela LO : Arlette Laguiller, Armonie Bordes e Chantal Cauquil, ou ainda a adesão às fileiras da LCR do agrupamento Voix des Travailleurs (VdT), ruptura de 1997 da LO. O clima de decadência intelectual e oportunismo político no domínio da doutrina marxista dos principais quadros da LCR Francesa continua manifestamente inconfundível. Ao que tudo indica – esperançosamente não seja a seguinte afirmação inteiramente procedente -, mesmo o enfraquecimento político, registrado desde meados dos anos 80, do agrupamento da maioria no interior da LCR, em favor do nítido fortalecimento da Tendence R!, não tem ainda contribuído, significativamente, para a regeneração teórico-política da LCR. Com efeito, a partir de 1995, vem se estruturando uma nova maioria no interior da LCR, composta por dirigentes da Tendence R! em comum atuação com os mais legendários representantes da velha maioria. Com efeito, Tendence R! surge enfrentando a tendência da velha maioria, exclusiva ou prepoderantemente, no que tange à problemática da promoção da aliança política eleitoral com LO - e não manifestamente no concernente à defesa do trotskysmo em face da desnaturação franco-gramsciana do marxismo, empreendida pela velha direção. Nesse quadro, Tendence R ! apresenta-se apenas, ou – digamos assim - antes de tudo, enquanto defensora incontrastável das alianças eleitorais com LO, seja em eleições européias, nacionais ou comunais, ressaltando todas as reservas políticas necessárias, como forma de crítica mais incisiva ao projeto da „esquerda plural“, incorporado no governo de Jospin. No último Congresso de Junho de 2000, lograram, sobre essa base, Tendence R! e os principais representantes da velha maioria da LCR obter 58% dos votos dos delegados, em favor de uma aliança com LO, no âmbito das eleições municipais de 2001, tendo sido o apelo dirigido a LO em favor de tal aliança sufragado, ao final, por 94 % dos delegados. Os restantes 42% do Congresso posicionou-se, entretanto, de início, ceticamente em relação à LO, em favor de uma aliança com „outras forças de esquerda“, não apenas da „esquerda alternativa“, senão ainda da „esquerda plural“. Permance, entretanto, ainda incerto a pretensão de LO selar uma aliança eleitoral com a LCR, no quadro das próximas eleições comunais francesas. Acerca do Congresso de 1° a 4 de Junho de 2000 da LCR, vide, de maneira, entretanto, pouco crítica e excessivamente empírica BERGER, JOHANN D. Kongress der LCR. Revolutionäres Bündnis ?(Congresso da LCR. Aliança Revolucionária ?), in : Avanti. Zeitung des RSB der IV Internationale in Deutschland (Avanti. Jornal da RSB da IV Internacional na Alemanha), September 2000, p. 21.
[16] O Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Milton Temer, é, na atualidade, um dos mais expressivos adeptos da ideologia gramsciana no Brasil. Sua referência intelectual e política encontra-se vinculada, umbilicamente, ao quadrante ideológico de Gramsci e o Brasil e da International Gramsci Society, de Carlos Nelson Coutinho e de Valentino Gerratana, bem como é solidária, em linhas gerais, à posição e ao projeto contidos no Correio da Cidadania, de Plínio Arruda Sampaio. No quadro do II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado entre os dias 24 e 28 de novembro de 1999, no Instituto-Escola Venda Nova, em Santa Catarina, no Brasil, Milton Temer, enquanto Deputado Federal e Presidente do PT do Rio de Janeiro, foi escolhido como o candidato de consenso à Presidência do PT, pelas correntes mandelista Tendência Democracia Socialista(Nosso Tempo) do SU-QI, lambertista O Trabalho(Fiel à Origem do PT), bem como por Articulação de Esquerda, Força Socialista, Movimento e diferentes grupos regionais, esses reunidos em defesa da tese Socialismo e Barbárie. Dos 912 votos expendidos no congresso em referência – dos quais dois brancos e dois nulos -, o candidato, orientado pelo gramscismo internacional, Milton Temer, obteve 296 votos, superando os 113 votos de Arlindo Chinaglia, aliado a Tarso Genro, em defesa da tese Movimento PT, sucumbindo apenas diante dos 496 votos de José Dirceu, da corrente Articulação – Unidade na Luta(Revolução Democrática), de Lula, apoiada por Democracia Radical(Por uma Democracia Republicana), de José Genoíno, e PT – Luta de Massas. No apoio a Milton Temer, Democracia Socialista – SU-QI contribuiu com seus 90 votos. A seção brasileira do SU-QI no Brasil, logrou alcançar, no âmbito desse II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, 10 % dos votos do congresso, 8 membros na Direção Nacional do PT e 2 membros no Comitê Executivo Nacional do PT. Acerca dos dados empíricos aqui referidos, vide, p. ex., ESTIMA, FERNANDA & RAMOS, ROSANA. Kongress der Arbeiterpartei Brasiliens(Congresso do Partido dos Trabalhadores do Brasil), in : INPREKORR. Internationale Pressekorrespondenz, Nr. 339/340, Januar/Februar 2000, p. 47.
[17] Cf. BANDIERA ROSSA. RIVISTA MARXISTA. Chi sono questi Trotskisti, in: Chi Siamo, Milano, 1999. Especificamente acerca da convivência de Lívio Maitan com a doutrina de Antonio Gramsci, vide, além disso, MAITAN, LIVIO. Le Marxisme d’Antonio Gramsci, in: Revue de la Quatrième Internationale, Nr. 24, Paris, 1987, pp. 5 e s. A despeito de todo o exposto, BANDIERA ROSSA empreende uma análise altamente superficial, profundamente apologética e manifestamente equivocada, atingindo o ponto da mais total complacência acrítica, acerca do papel histórico de Gramsci no processo de stalinização do antigo Partido Comunista Italiano (PCI), quando escreve, procurando reabilitá-lo aos olhos dos lutadores revolucionários de vanguarda : “Entretanto, também pelos erros do movimento comunista (e os crimes socialistas), o fascismo tinha triunfado na Itália e era imitado por muitos regimes autoritários, desde os Balcães até a Polônia. Os partidos comunistas, ilegais quase por todos os lados, tinham a necessidade de ajudas materiais e de certezas gratificantes, sendo que se adaptaram, por isso, às pressões dos novos dirigentes da III Internacional. Inicialmente, fê-lo também Gramsci, porém quando se deu conta do que estava ocorrendo na URSS escreveu, já em 1926 ( em um momento em que se estava ainda distante das expulsões, das deportações, dos assassinatos dos opositores ), uma carta de severa crítica ao CC do Partido Russo, a qual foi interceptada e retida por Togliatti, representante esse último do partido em Moscou. O episódio foi sempre minimizado por aqueles que partem da convicção radical de que tudo que ocorreu devia, de fato, ocorrer, sendo que toda tentativa de se opor era, obviamente, em vão, tal como deduzem o fato de sua falência. Gramsci pensava diferentemente. Em sua resposta pessoal a Togliatti, na qual havia defendido que os partidos comunistas deviam limitar-se a “estudar as questões russas” e a fazê-las conhecer, sem interferir, Gramsci havia formulado um juízo severíssimo sobre o episódio : “Esse teu modo de raciocinar (...) produziu-me uma impressão penosíssima”, escreve ele, “todo o seu raciocínio está viciado de burocratismo”. A frase mais dura, que permitia entrever uma ruptura de relações humanas e políticas, investe contra a raiz da mentalidade de Toglilatti : “Seremos revolucionários bem deploráveis e irresponsáveis se deixassemos, passivamente, ocorrer os fatos ocorridos, justificando a priori sua necessidade”. Assim, pensava Gramsci, que permaneceu também por isso isolado no cárcere. Não se procurou obter a sua libertação com uma troca de prisoneiros entre a URSS e o Vaticano, o que era possível. Por anos, dele não se falou, até que a campanha por sua libertação recomeçou às vésperas de sua morte e quando não podia, de nenhuma forma, retomar sua atividade política. Após sua morte, Gramsci tornou-se para Togliatti aquilo que Lenin foi para Stálin ( entre outras coisas Togliatti meteu-lhe na boca frases jamais por ele pronunciadas, tal como “Trotsky é a putana do fascismo”). Cf. BANDIERA ROSSA. RIVISTA MARXISTA. E Infine, Un Po’ di Storia. Perché i Partiti Comunisti hanno seguito Stalin, in: Chi Siamo, Milano, 1999.
[18] Nesse sentido, assinala Heiner Karuscheit, desde uma perspectiva notoriamente neo-stalinista reciclada : „Precisamente do partido que ele co-fundou e dirigiu, sob as condições mais difíceis, impulsiona-se, hoje, um abuso incrível acerca da pessoa e dos ideais de Gramsci. Outrora, reclamado por Togliatti, com base em seus escritos e méritos políticos, como grande leninista e paradigma heróico dos comunistas italianos, foi Gramsci, a seguir, utilizado pelo próprio Togliatti para legitimar a passagem pacífica ao socialismo. Hoje, da antiga linha revolucionária do PCI quase nada mais restou. O objetivo da Ditadura do Proletariado foi colocado ad acta, o socialismo deve ser alcançado pela via pacífica e o pluralismo é o Alfa e o Omega do partido. Tudo isso processa-se com fundamentação nos Cadernos do Cárcere de Gramsci, que, para tal objetivo, são interpretados artificial e muito unilateralmente. Não se fala mais de seus escritos políticos. O PCI demonstra, de maneira exemplar, o modo segundo o qual um grande comunista pode ser desnaturado como „um balaio de gatos“(no original alemão : Steinbruch, i.e. uma jazida de exploração), visando a legitimar, com seu nome, a linha respectivamente cambiante do partido“. Cf. KAMINSKI, FRANZ / KARUSCHEIT, HEINER / WINTER, KLAUS. Antonio Gramsci. Philosophie und Praxis. Grundlagen und Wirkungen der Gramsci-Debatte (Antonio Gramsci. Filosofia e Práxis. Fundamentos e Efeitos do Debate Gramsci), Frankfurt a. M. : Sendler, 1982 p. 218. É, efetivamente, impressionante como a extensa obra de Kaminski, Karuscheit e Winter acerca de Gramsci consiga ignorar e omitir, em todos as suas principais formulações intelectuais, as principais e mais decisivas questões relacionadas com o movimento revolucionário do século XX. Embrigados em sua perspectiva neo-stalinista, mesmo que denunciando certos pontos importantes do matiz idealista do pensamento filosófico e político de Gramsci, esse coletivo de autores não logra, em nenhum momento, entrever o horizonte da luta impiedosa de Gramsci dos Cadernos do Cárcere, travada sob a base da lógica política do stalinismo-burocrático contra-revolucionário, contra Trotsky e sua herança proletário-revolucionária marxista. O que interessa a esses autores é, central e exclusivamente, o modo como Togliatti e o PCI interpretaram e fizeram uso da doutrina gramsciana, sendo que, mesmo nesse sentido, sua visão surge mediada pelas lentes de contato de um stalinismo reciclável. O presente texto demonstrará, mais adiante, o que precisamente do „balaio de gatos“ gramsciano é, completamente, impossível retirar, i.e. a perspectiva marxista de luta violenta revolucionária – seja no dos países do ocidente, sejam nos países do oriente - do proletariado hegemônico – em sentido leninista do termo -, voltada ao despedaçamento dos Estados Burgueses e edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Democracia Proletária, como forma transitória para alcançar-se o socialismo, fase inferior do comunismo, visto que Gramsci, em seu léxico mais próprio, prega a aberta e sistemática passagem da „guerra de movimento“ de Bronstein(Trotsky), „o teórico político do ataque frontal”, para a “guerra de posição ou de assédio” de que é o próprio preconizador, seja no campo especificamente militar, seja no campo político geral.
[19] Literalmente, afirma Eric Hobsbawm : „A contribuição central de Gramsci para o marxismo consiste em ter aberto o caminho para uma teoria marxista da política. .... De toda a forma, ele foi levado a desenvolver os elementos de um teoria política desenvolta, no interior do marxismo, sendo que foi, provavelmente, o primeiro marxista que o fez.“ Cf. HOBSBAWN, ERIC J. Gramsci und die Theorie der Politik (Gramsci e a Teoria da Política), in: Beiträge zum wissenschaftlichen Sozialismus, Nr. 5, 1977, pp. 43 e s.
EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES “UNIVERSIDADE COMUNISTA J. M. SVERDLOV”
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